Como escrever um ensaio filosófico
SOCIEDADE
PORTUGUESA DE FILOSOFIA
Artur Polónio
CENTRO PARA O
ENSINO DA FILOSOFIA
1. O que é um ensaio
filosófico?
Um ensaio
filosófico é um texto argumentativo em que se defende uma posição sobre um
determinado problema filosófico. Uma vez que a melhor maneira de formular um
problema é fazer uma pergunta, o objectivo de um ensaio filosófico é responder
a uma pergunta e defender essa resposta, oferecendo argumentos e refutando as
objecções.
2. O que se
espera que um
estudante mostre ao
escrever um ensaio?
Um
ensaio deve mostrar que o seu autor sabe relacionar o problema com as teorias e
argumentos em causa. É por isso que um ensaio deve ter a forma de resposta
a uma pergunta. A essa pergunta há-de ser possível responder com um
«sim» ou com um «não», procurando o estudante, em seguida, avaliar criticamente
os principais argumentos em confronto, de modo a tomar uma posição pessoal na
disputa. Num ensaio, o estudante não
pode limitar-se a dar a sua opinião. Tem também de avançar com argumentos e de
responder aos argumentos contrários. Caso não lhe pareça possível defender uma
das partes, deverá dizer, ainda assim, porquê.
3. Como
escolher o título do ensaio?
A
melhor maneira de intitular o ensaio é apresentar o mais claramente possível o
problema que se vai tratar. E a melhor maneira de o fazer é colocar uma
pergunta.
Exemplos
de títulos de ensaios podem ser:
«Será
que os animais têm direitos?»
«É
a existência do mal compatível com a existência de Deus?»
«Terá
a lógica lugar na filosofia?»
«Deveremos
avaliar uma acção unicamente em função das suas consequências?»
«Será
que todas as obras de arte expressam sentimentos?»
Títulos
como:
«Os
direitos dos animais»
«Deus
e o mal»
«A
lógica filosófica»
«O
consequencialismo»
«A
arte e a expressão de sentimentos»
embora
possam ser adequados em ensaios mais longos e abrangentes, devem aqui ser
evitados, pois não parecem obrigar os seus autores a tomar posição nem a ser
críticos e argumentativos.
4. Como se
prepara um ensaio?
Leia
criticamente os textos indicados pelo professor, e que tratam do tema proposto.
Nessa leitura, deve procurar identificar as teses em confronto e os argumentos
que as sustentam. Deve ainda procurar assegurar-se de que compreende
correctamente o que está em causa. Uma boa ideia é discutir os problemas e os
argumentos com os outros. Frequentemente, isso dar-lhe-á uma ideia mais clara
da complexidade dos problemas e da força dos argumentos. Uma vez feita a
leitura crítica dos textos e os problemas discutidos, deve fazer um rascunho.
Qual
a tese a defender? Que argumentos apresentar, e por que ordem? Quais as
objecções a discutir, e quando? O que se pretende introduzir pressupõe uma
discussão anterior? Tenha em mente que a clareza do seu ensaio depende em
grande parte da sua estrutura; por isso, é importante começar por determinar o
que se propõe fazer e como fazê-lo.
5. Como se
deve estruturar um ensaio?
Habitualmente,
um ensaio tem três partes: a introdução, o corpo do ensaio e a conclusão. Das
regras a seguir indicadas, 1, 2 e 3 aplicam-se à introdução; 4 a 8 ao corpo do
ensaio; e 9 à conclusão. Se tudo correr bem, as conclusões que vai tirar em 9
irão ao encontro do que começou por dizer em 1 e 2.
Tenha
em mente que, num ensaio, apesar da introdução ser a primeira coisa que se lê, é geralmente a última a ser escrita;
isto porque só depois da redacção final é possível ter uma visão de conjunto do
ensaio.
O ensaio deve
estruturado de acordo com as seguintes nove regras:
1.
Formule o problema
2.
Diga qual o objectivo do ensaio
3.
Mostre a importância do problema
4.
Identifique as principais teses concorrentes
5.
Apresente a tese que quer defender
6.
Apresente os argumentos a favor dessa proposição
7.
Apresente as principais objecções ao que acabou de ser defendido
8.
Responda às objecções
9.
Tire as suas conclusões
Formule o
problema. Deve começar
pelo problema. Mas, muitas vezes, não basta formular o mais claramente possível
o problema para as coisas ficarem completamente claras e não haver margem para
dúvidas ou ambiguidades. Se, por exemplo, se pergunta se os animais têm
direitos, é preciso dizer exactamente que direitos tem em mente e dar exemplos
concretos; deve igualmente deixar bem claro se está a referir-se a todos os
animais — incluindo os piolhos e as baratas — ou só a alguns.
Diga qual o
objectivo do ensaio. Um
ensaio pode ter diferentes objectivos. Se
o seu objectivo é oferecer razões para acreditar numa determinada tese, então
deve dizer que é isso o que vai procurar fazer. Um erro frequente, ao escrever
um ensaio, é não saber exactamente qual o objectivo que se tem em mente, ao
fazê-lo; se não sabemos onde queremos chegar, dificilmente saberemos que caminho
escolher. O resultado disto é, frequentemente, um ensaio repleto de afirmações
vagas e inadequadamente defendidas. Um objectivo claramente definido é mais do
que meio caminho andado para um ensaio bem estruturado.
Mostre a
importância do problema.
Deve procurar mostrar por que razão é importante que nos ocupemos do problema
de que se ocupa. Uma maneira de fazer isso é mostrar o que estaríamos a perder
se não o fizéssemos. Suponhamos, por exemplo, que se pergunta se a lógica
formal tem lugar na filosofia. Por que razão devemos ocupar-nos disso? Se
escolheu ocupar-se desse problema, é porque o considera importante; nesse caso,
sua resposta deve mostrar, por exemplo, que, se não nos preocupássemos com a
forma do raciocínio, não só nos arriscaríamos a cometer erros de raciocínio,
mas também a não compreender os raciocínios dos outros.
Identifique as
principais teses concorrentes.
Aqui deve, muito brevemente, apresentar as teses mais conhecidas que respondem
a esse problema. Se, por exemplo, se pergunta se as nossas acções são boas ou
más apenas em função das suas consequências, deve dizer que há duas teorias
principais concorrentes — o consequencialismo e o deontologismo — e o que
defende cada uma delas.
Apresente a tese
que pretende defender.
Neste momento, deve apresentar a sua posição. Isso deve ser feito mostrando
qual é a proposição que irá ser defendida. Por exemplo, em relação ao problema
de saber se a existência do mal é compatível com a existência de Deus, e caso a
sua resposta seja afirmativa, pode tornar clara a sua posição começando por
dizer que defende a proposição expressa pela frase «Deus existe, apesar de
existir o mal no mundo», e explicar sucintamente o que isso significa. Em
certos casos, é possível e desejável apresentar exemplos do tipo de ideias que
quer defender.
Apresente os
argumentos a favor dessa proposição.
Deve apresentar cuidadosamente os argumentos a favor da proposição que quer
defender. Pode haver vários argumentos. Alguns podem até ser argumentos
tradicionais, discutidos por alguns dos mais conhecidos filósofos. Nesse caso,
deve concentrar- se apenas nos dois ou três que lhe parecem ser os mais fortes
e expô-los por palavras suas, tentando mostrar que são válidos e que as suas
premissas são verdadeiras ou, pelo menos, plausíveis. Um erro a evitar, aqui, é
pensar que não há necessidade de muita argumentação para defender uma
proposição que é, para nós, evidente: afinal, já a aceitamos. Mas, muitas
vezes, temos tendência a sobrestimar as nossas convicções. Assim, devemos
partir do princípio de que o leitor — ainda — não aceita a nossa posição, e
pensar o ensaio como uma tentativa de o persuadir.
Apresente as
principais objecções ao que acabou de ser defendido. Presentemente, deve enfrentar as
principais objecções aos seus argumentos, quer indicando possíveis
contra-exemplos ao que é afirmado em alguma das premissas, quer disputando a
sua plausibilidade, quer questionando a validade dos próprios argumentos. Deve
procurar as objecções que lhe parecem mais fortes e não escolher apenas as mais
fracas e fáceis de responder. Nesta parte, deve apoiar-se nas leituras que lhe
foram previamente recomendadas. Deve, também aqui, apresentar as objecções por
palavras suas, e não se limitar a citar os autores consultados, pois só assim
mostra compreender o que escreve.
Responda
às objecções. Uma vez apresentadas as objecções à sua tese, deve dizer o que há
de errado com elas, ou como lhes responder.
Tire as suas conclusões. Finalmente, deve resumir muito
brevemente o seu argumento principal e expor as suas dúvidas, caso existam.
Mesmo que se incline mais para uma das respostas concorrentes, não deve hesitar
em apre- sentar os seus pontos fracos. Se lhe parecer haver razões para não
tomar posição na disputa, deve, ainda assim, apresentar essas razões. Note que,
na conclusão, não deve apresentar seja o que for que não tenha sido dito
anteriormente.
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